Sepetiba no Túnel do Tempo, por Viviane Fernandes
Sempre adorei viajar. Não falo de viagens específicas, caras ou baratas. Qualquer viagem para mim é interessante, pois, por mais dificuldades ou apertos que você passe, sempre ficam as experiências. E vamos combinar: é muito bom depois chegar em casa e rir das mais inusitadas situações, não é verdade? Eu queria dividir com vocês algumas das viagens que fiz, desde as mais simples até as mais ”sofisticadas” (se é que posso chamar assim). Gostaria de começar com uma das minhas primeiras viagens. Éramos crianças e morávamos em Campo Grande, hoje zona oeste, subúrbio do Rio. Naquela época, década de 70, Campo Grande ainda era zona rural e as famílias se conheciam quase todas -- e a minha em particular era enorme. Toda família tinha uma casa em Sepetiba, que ficava a apenas 40min de Campo Grande. Nessa época, havia mar em Sepetiba (embora hoje seja difícil de acreditar) e sempre que estávamos chegando perto, era aquela competição entre eu e meu irmão Paulo por quem avistava o mar antes. Gente, Campo Grande não tem mar, então, ficávamos secos por uma praia! Quando nos aproximávamos, dava um frio na barriga só para dizer: "Olha o mar! Eu vi primeiro!”; "Não, fui eu!"; e começava aquela discussão de irmão que não acaba. Até que um dos meus pais finalmente dizia: "Olha crianças" -- eu devia ter uns 5 anos e o Paulo, 3 -– "os dois viram ao mesmo tempo, isto é incrível!"; e eu achava que tinha poderes telepáticos com meu irmão.
Nas férias, toda a nossa família ia para Sepetiba (no mínimo umas 20 pessoas entre adultos e crianças). A casa tinha 10 quartos e apenas UM banheiro, mas acreditem: todos se entendiam perfeitamente bem! A casa era enorme. A frente dava para uma rua pacata que, ao atravessar, chegávamos a uma praia sem ondas. O quintal de trás dava para a casa do caseiro, um pé de pitanga e muito espaço, que ficava para as brincadeiras, e desembocava na rua de trás. O espaço em torno da casa era bem utilizado pelo meu irmão, que levantava as 5:30 e, às 6h, ia à bordo de seu “velotrol” a contornar a casa à toda, como um bem-te-vi anunciando a chegada da manhã. Todos iam se levantando aos poucos e tomando seus cafés da manhã. Minha prima, 5 anos a mais que eu, lembra do barulho do velotrol do Paulo até hoje. Hoje, eu e ela rimos muito disso tudo, que época boa! Lá perto, ainda havia um coreto, que eu achava lindo, e um parquinho, onde aprendi a andar de balanço sozinha! Muitas vezes eu tomava banho no tanque (não sei como conseguia caber ali) e adorava. Também adorava cuidar da filha do motorista da "Dinda": eu me “enfiava” na casa deles, que ficava no quintal de trás, e ficava lá ajudando a pentear da menina, que era menor que eu, contando histórias. Era tudo uma grande novidade, liberdade, brincadeira! Havia também 2 chuveiros no quintal de trás para tirar o sal da praia, com gente que tomava banho ali mesmo -- devidamente com suas sungas e biquínis, claro rsrs. À tarde, a maré subia tanto que toda a praia ficava tomada pelo mar quase sem ondas. Eu adorava ver a areia da praia toda tomada pelo mar que assumia aquela coloração dourada quando o sol se punha. Dava uma sensação de aventura... Aliás, tudo é aventura para uma criança de 5 anos! Ficava admirando o poder daquelas águas observadas por mim e pelo sol que se despedia de nós.
No quintal da parte de trás da casa, havia um pé de pitanga, de onde tirávamos as frutas e comíamos. Era bem azedinha, mas o legal era deixar aquela fruta meio vermelhinha estourar na boca! À tardinha, ficávamos reunidos na sala conversando, ou nos espalhávamos na varanda da casa. Até que de repente alguém dava a ideia de fazer a brincadeira da tesoura. Para quem não conhece, era assim: cada um ia passando a tesoura e quem recebia tinha que dizer se a tesoura estava aberta ou fechada. Fazíamos com quem não conhecia a brincadeira, pois o grande barato era observar as pernas de quem passava: se estivessem cruzadas a tesoura estava aberta (quando você abre a tesoura, ela se cruza); e logo, se as pernas não estivessem cruzadas, a tesoura estava fechada. Seguiam-se também outras brincadeiras da nossa infância, como passa-anel, etc. Mais tarde, depois do jantar (a mesa ficava na varanda do canto de trás da casa), tinha o bingo, que chamávamos de víspora, e aí vinham os números cantados: 2 patinhos na lagoa (22), quariquaqua (44) e por aí vai. Hoje, a casa foi vendida. Sepetiba mudou muito. Dizem que o mar virou um lamaçal... Que pena. Nunca mais voltei lá... Mas é um lugar de onde sempre vou me lembrar com um imenso carinho, um lugar que contribuiu bastante para que eu tivesse uma infância maravilhosa, sem frescura -- e, podem acreditar, nada como ter uma infância sem frescura!